'Passei 6 anos sendo diagnosticada com depressão, mas era transtorno bipolar'

A estilista Carolina Marchi, de 22 anos, conta como sua vida passou a ter mais sentido depois de entender a origem de suas oscilações de humor

Por Alice Arnoldi, Colaboração Para Marie Claire — São Paulo

22/08/2023 15h32  Atualizado há 3 semanas

Carolina Marchi começou a sentir os primeiros sintomas aos 9 anos de idade — Foto: Reprodução/Instagram

“Minha vida inteira foi explicada”. Foi assim que a estilista Carolina Marchi, de 22 anos, se sentiu quando descobriu que tinha transtorno bipolar e não depressão psicótica, como um psiquiatra havia dito para ela seis anos antes.

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Segundo a Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (Abrata), o transtorno bipolar afeta cerca de 140 milhões de pessoas no mundo e os sintomas tendem a aparecer antes dos 30 anos, principalmente entre 18 e 25 anos.

A pessoa com transtorno bipolar apresenta oscilações significativas de humor, transitando entre fases eufóricas e depressivas. Por se tratar de um distúrbio psicológico complexo, seu diagnóstico costuma ser demorado e confundido com outros quadros, como a depressão.

A psiquiatra Camila Magalhães, doutora em psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, explica que a confusão entre os diagnósticos acontece principalmente porque uma pessoa com transtorno bipolar costuma procurar ajuda apenas na fase depressiva.

“No período eufórico, em que o paciente está com mais energia, ele se sente bem, mais disposto”, diz a psiquiatra. Logo, a pessoa acaba relatando apenas os sintomas associados à depressão, como desânimo, tristeza, vontade de chorar, baixa autoestima e até mesmo pensamentos suicidas.

Foi o que aconteceu com Carolina que, desde os nove anos, sentia um vazio dentro de si. Ainda na infância, a situação ficou ainda mais delicada quando ela soube que uma pessoa próxima, que ela amava muito, tirou a própria vida.

Já na adolescência, ela viveu um relacionamento abusivo, em que sofria abuso sexual diariamente. “Foi nessa relação que tive minha primeira crise de ansiedade. Foi assustador, porque meu coração começou a bater muito forte, tive falta de ar e não conseguia ficar em pé. Parecia que eu estava infartando e iria morrer ali”, conta.

A gota d’água para a estilista buscar ajuda psiquiátrica foi um acidente de carro que ela sofreu com esse ex-namorado. “Levei um susto muito grande, porque o carro bateu na minha porta. Demorei alguns segundos para entender se estava viva ou morta”, relata.

Carolina foi diagnosticada com depressão psicótica dos 16 aos 22 anos. “Eu achava que tinha pessoas me perseguindo. Lembro de uma vez que estava chegando em casa e quando coloquei a senha na porta para entrar, vi uma mulher de vermelho na minha frente e, do nada, ela sumiu”, conta. A estilista também tinha ideações suicidas.

Os perigos do diagnóstico errado

“Esses seis anos foram os mais difíceis da minha vida”, lembra. Carolina era medicada com antidepressivos, o que fazia com que ela melhorasse por um tempo e depois piorasse novamente. A saída encontrada pelo psiquiatra que a acompanhava era trocar o remédio de tempos em tempos.

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Só que as fases depressivas da estilista foram ficando cada vez mais intensas, o que fez com que ela começasse a se automutilar. “Eu cortava meus pulsos porque a dor dentro de mim era tão grande que, quando me machucava, eu conseguia me concentrar na dor de fora”, conta.

Nessa mesma época, Carolina também tentou suicídio. Depois do ocorrido, a família procurou por outro psiquiatra, que seguiu com o diagnóstico de depressão psicótica e prescreveu cerca de oito remédios por dia para Carolina. Isso fez com que ela abrisse mão do tratamento em pouco tempo e voltasse ao médico que a atendia desde o começo, mesmo sem a melhora do quadro.

A descoberta do transtorno de bipolaridade

Durante a pandemia causada pela Covid-19, a estilista desenvolveu transtorno de estresse pós-traumático após muitas idas e vindas até o hospital após ter dengue. Com isso, suas crises de ansiedade pioraram, mesmo com o uso de medicamentos e o acompanhamento psicológico.

Foi nesse momento que a mãe de Carolina a levou até um novo psiquiatra, que olhou para o seu diagnóstico de uma forma diferente. Além de identificar que a estilista tinha ciclos de melhora e piora, o especialista também percebeu o seu hiperfoco nas fases de euforia.

“Tudo que eu me interessava, eu estudava e me tornava especialista naquilo. Ele percebeu que eu tinha muitas formações, desde óleos essenciais e maquiagem até psicologia e moda”, detalha.

A estilista conta que essa obsessão não a fazia apenas estudar. Quando adolescente, ela lembra que ficou fissurada em querer colocar silicone e não conseguiu se desvencilhar da ideia até concretizá-la com a permissão dos pais e autorização do psiquiatra da época.

Nas fases eufóricas, Carolina também bebia com frequência, tinha compulsão por compras e ficava irritada com mais facilidade. A partir desses sintomas, o psiquiatra chegou ao diagnóstico de transtorno de bipolaridade tipo 2.

“Ao mesmo tempo que receber esse diagnóstico foi assustador, foi libertador. Tudo que eu fazia e me achava estranha por isso começou a fazer sentido”, conta.

No transtorno de bipolaridade tipo 2, a pessoa alterna entre fases depressivas e de hipomania e não de mania em si. Em outras palavras, os períodos de euforia tendem a ser um pouco mais brandos e durar menos tempo do que no tipo 1. Só que isso não muda o quão desgastante podem ser essas oscilações de humor, principalmente nas relações interpessoais.

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“Quando a hipomania vem, a minha irritabilidade é muito forte e tenho que me controlar para não explodir com o meu marido. Já na fase de depressão, não consigo ajudá-lo em casa, ele tem que me incentivar a sair da cama, a me alimentar, tomar banho… Tudo fica muito mais díficil”, conta Carolina.

Tratamentos para o transtorno bipolar

Camila Magalhães explica que o tratamento de uma pessoa com bipolaridade envolve uma série de práticas interdisciplinares. É necessário que ela faça acompanhamento psicológico para aprender a se reorganizar emocionalmente, e adquira hábitos saudáveis, como dormir bem e praticar exercícios físicos.

“Na maior parte das vezes, quem tem bipolaridade precisa fazer uso de medicamentos estabilizadores de humor. Quando a fase depressiva está muito importante, pode-se usar antidepressivos. Mas eles devem ser evitados e alguns são melhores do que outros, ou seja, têm menor capacidade de fazer com que o paciente fique eufórico”, explica a psiquiatra.

O primeiro estabilizador de humor que Carolina usou foi o lítio, medicamento com mais evidências científicas para tratar a bipolaridade, melhorando as fases depressivas, de hipomania e ideações suicidas.

Só que a estilista teve uma reação forte ao remédio, ficando com o corpo paralisado por um tempo. Isso fez com que ela precisasse parar com o medicamento e trocasse de psiquiatra ao não se sentir acolhida diante do que aconteceu.

Há quatro meses, Carolina começou um novo tratamento com remédios diferentes e está em fase de adaptação. “A partir do momento que eu comecei a tomar esses medicamentos, minha vida melhorou de um jeito extraordinário. Antes, eu tinha crises de ansiedade quase todos os dias. Agora, é muito difícil eu ter”, relata.

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