"Vais parecer a avó dos teus filhos". Porque é que os homens de cabelo branco são charmosos e as mulheres grisalhas são &#

São cada vez mais as mulheres que, com a ajuda da pandemia e o apoio das amigas, passaram a assumir os seus cabelos brancos. Mas a decisão nunca é fácil e a discriminação ainda existe

Num vídeo de dois minutos publicado a meio de agosto no Twitter, a jornalista e pivot canadiana Lisa LaFlamme anunciou que tinha sido despedida do “CTV National News”, um dos programas de televisão mais vistos do país, revelando a sua surpresa por ser dispensada aos 58 anos. LaFlamme trabalhou para a CTV News nos últimos 35 anos, cobrindo eleições, guerras e desastres naturais. Era um dos mais respeitados rostos da estação, tendo ganhado vários prémios, incluindo, este ano, o de Melhor Pivot de Notícias, nos Canadian Screen Awards. Não tardou muito para que surgissem as primeiras insinuações de que o seu afastamento estava relacionado com o facto de Lisa ter deixado de pintar o cabelo durante a pandemia, quando os cabeleireiros estiveram encerrados, e ter decidido depois manter os cabelos grisalhos. Os responsáveis da estação foram acusados de idadismo e sexismo – sobretudo porque o seu antecessor naquele horário, Lloyd Robertson, trabalhou até se reformar, aos 77 anos – e, apesar de terem recusado todas as alegações, o assunto rapidamente passou para o debate público, havendo já uma petição contra o despedimento com milhares de assinaturas.

“A verdade é que, ainda hoje, percecionamos de maneira diferente os cabelos brancos num homem e numa mulher”, admite Guida Oliveira, consultora de imagem e cofundadora do Dressy Project. “Nos homens, os cabelos brancos são sinónimo de charme e de amadurecimento. Ninguém estranha que os homens não pintem o cabelo. Já nas mulheres, os cabelos brancos estão associados ao envelhecimento e até a algum desleixo, transmitem uma imagem menos boa.”

“Historicamente, a beleza está associada à juventude. E as mulheres sempre foram muito pressionadas para parecerem mais jovens porque o envelhecimento não é valorizado pela sociedade”, explica à CNN Portugal Guida Oliveira. “Felizmente, o conceito de beleza tem vindo a mudar.” Tem mesmo?

“Sejamos honestos: os locais de trabalho são mais simpáticos com os homens mais velhos do que com as mulheres mais velhas”, escreveu Ruth Marcus, editora do Washington Post, num artigo de opinião a propósito do caso, recordando um estudo de 2017 que encontrou “provas sérias de discriminação devido à idade na contratação de mulheres mais velhas, especialmente aquelas próximas da idade de reforma”. Porquê? “As evidências sugerem que a aparência física importa mais para as mulheres e que a idade prejudica mais a aparência física das mulheres do que dos homens”, concluem os autores do estudo.

Como escreveu a sempre perspicaz Norah Ephron: “A coloração do cabelo é a arma mais poderosa que as mulheres mais velhas têm contra a cultura jovem. Posso afirmar até que é parcialmente responsável pelo número de mulheres que entram (e conseguem permanecer) no mercado de trabalho na meia-idade e no final da meia-idade.”

Esse duplo padrão opera em todos os níveis corporativos. “Os homens executivos mais velhos ficam grisalhos e assumem o ar de estadistas. Executivas mais velhas – bem, não temos muita experiência sobre como pensar sobre elas, mas muitas sentem a necessidade de tomar medidas, algumas mais extremas do que pintar o cabelo, para parecerem jovens. Basta olhar para as CEO femininas da Fortune 500 e constatar a dificuldade em encontrar um cabelo grisalho”, sublinha Ruth Marcus, que é tudo menos otimista quanto a este tipo de preconceito: “Isto é tão terrivelmente antiquado – e esse, penso, é o ponto. Tanta coisa mudou para melhor no mundo das mulheres trabalhadoras. Mas tanto sexismo, especialmente de tipos mais subtis, permanece teimosamente enraizado na cultura e em nós mesmas. Com o domínio da cultura jovem, o preconceito de idade agora pode ser pior do que nunca.”

Assumir os brancos: “Regressei a mim”

Marta Moncacha quis combater esse preconceito. Assistente social e atualmente também mediadora de conflitos, em 2017 Marta anunciou no seu blogue a intenção de deixar de pintar o cabelo. “Tenho falado sobre este assunto com algumas (poucas) pessoas e quase todas tentam dissuadir-me: ficarei mais envelhecida, a fase de transição é lixada, vou arrepender-me… talvez tenham razão. Talvez fique mais velha, ficarei com certeza com um ar desleixado enquanto não tenho a cabeça toda coberta de brancos e, possivelmente, arrepender-me-ei”, escreveu, quase a medo. Mas não se arrependeu.

“Tinha 43 anos e desde os 20 que pintava o cabelo. Já tinha tido várias cores e naquela altura tinha o cabelo pintado de vermelho. Todos os meses eu pintava o cabelo e todos os meses apareciam cada vez mais brancos”, recorda Marta Moncacha à CNN Portugal. “Gastava muito tempo e muito dinheiro e comecei a questionar. Tenho psoríase, que é uma doença de pele e que também afeta o couro cabeludo, e isso foi uma das coisas que pus no prato da balança. Além disso, começava a olhar para o espelho e já não me identificava com aquela imagem, deixou de fazer sentido. E tinha uma enorme curiosidade porque, ao fim de tanto tempo a pintar, não fazia ideia qual seria a verdadeira cor do meu cabelo.”

A decisão teve muito a ver com aquele momento da sua vida e foi, obviamente, muito pensada. “Falei com o meu marido, falei com os meus pais e com os meus filhos. Porque sabia que ia ter resistência de fora e era importante ter o apoio deles”, conta. Apesar de ser uma pessoa determinada, assustava-a um pouco o que as outras pessoas iriam pensar, sobretudo porque não queria ter um ar “desleixado”. Por outro lado, “é só cabelo”, diz. “Se não gostasse poderia pintar a qualquer momento.”

Para não se sentir tão sozinha, decidiu criar um grupo de Facebook chamado “Mulheres de Prata“. “A ideia não era inspirar outras pessoas, era o contrário. Eu é que precisava de apoio, queria ouvir as histórias de quem já tinha passado por este processo.” A surpresa foi enorme. Ao fim de poucas horas, começaram a “chover” pedidos de adesão ao grupo e inúmeros testemunhos de mulheres que também se sentiam pressionadas a pintar o cabelo e que não tinham vontade de continuar. O grupo chegou a ter mais de nove mil membros, num ambiente de entre-ajuda enorme, ajudando muitas mulheres a arranjar coragem para darem esse passo e fazerem uma mudança no seu visual.

“O principal medo das mulheres é que com cabelos brancos se comecem a sentir mais velhas e que os outros as vejam como velhas”, explica Marta Moncacha. As mulheres que decidem assumir os seus brancos têm de estar preparadas para os mais cruéis comentários, avisa. “Vais parecer avó dos teus filhos”, disseram-lhe. “Logo tens tempo para ser velha”, aconselharam-na. Mas ela persistiu. Uma vez que quando se deixa de pintar os cabelos a primeira coisa a ficar branca é a raiz, Marta optou por uma coisa mesmo radical: cortou o cabelo muito curtinho. De uma dia para o outro ficou “toda branca”.

“Foi um processo muito bonito e até emocionante”, recorda. “Ao olhar para o espelho comecei a ver o meu pai, a minha avó. Regressei a mim.” Desde então, Marta Moncacha garante que não teve vontade de pintar o cabelo. “Mas nunca digo nunca, se um dia me apetecer pinto. O mais importante é fazermos o que queremos porque é a nossa vontade e não porque a sociedade nos pressiona a fazermos.” Não se trata de defender o cabelo natural. O único statement que há aqui é pela autodeterminação.

Mais de cinco anos depois, Marta ainda se surpreende como este assunto continua a ser polémico. “A divisão entre homens e mulheres é muito clara, ainda há muito esse estereótipo de que um homem de cabelos brancos é charmoso e uma mulher de cabelos brancos é desleixada. Mas acredito que a mudança está a acontecer, suavemente.” E a pandemia de covid-19 ajudou bastante a que essa mudança fosse mais visível.

A pandemia de cabelos brancos

Os cabelos brancos resultam do “processo natural de envelhecimento”, explica Guida Oliveira, embora haja também a contribuição de fatores genéricos, que determinam quando é que esse processo se inicia e qual o seu ritmo. “Há pessoas a quem os primeiros cabelos brancos surgem muito cedo, ainda com 20 e poucos anos, e outras a quem só aparecem muito mais tarde.”

A pressão para que as mulheres escondam os cabelos brancos é grande mas, cada vez mais, há quem vá contrariando o estereótipo. A partir dos anos 2000, a expressão “Gray hair, don’t care” (“cabelos brancos, não quero saber”) tornou-se cada vez mais frequente. Por exemplo, em 2007, a jornalista norte-americana Anne Kreamer publicou o seu primeiro livro, “Going Gray” (editado em Portugal como título “Cabelos Brancos“), no qual relatava o seu processo pessoal de descoberta e autoaceitação a partir do momento em que decidiu deixar de pintar o cabelo, depois de 25 anos de colorações várias. Contava também como os cabelos brancos a reposicionaram no mundo, proporcionando-lhe uma nova visão da beleza, do sᕮxo, do trabalho, do seu papel de mãe, da sinceridade, entre muitas outras coisas, levando-a a questionar os padrões estéticos e o ideal da eterna juventude da sociedade moderna. O tema iria continuar a ocupá-la: Kreamer criou o blogue “Going Gray, getting real” (“ficar grisalha, ser real”) e recolheu testemunhos de muitas mulheres de diferentes origens e idades sobre o tema. 

A modelo australiana Luisa Dunn tornou-se um dos rostos deste movimento, em 2019, quando decidiu abraçar a cor natural do seu cabelo, mostrando que ter cabelos grisalhos era compatível com a sua profissão.

Mas foi preciso que os cabeleireiros fechassem as portas, em 2020, devido à pandemia, para que os cabelos brancos se tornassem visíveis e se transformassem num “movimento”. Celebridades como as atrizes Andie MacDowell, Jodie Foster ou Jamie Lee Curtis passaram a assumir os seus brancos, sem temer as críticas.

“A pandemia veio acelerar a decisão para muitas mulheres. As pessoas estiveram impedidas de ir ao cabeleireiro e ou pintaram o cabelo em casa ou optaram por deixar os brancos à vista. Depois, algumas gostaram e decidiram continuar com esse look e outras marcaram a coloração no primeiro minuto em em que o cabeleireiro abriu”, explica Guida Oliveira.

Lisa LaFlamme foi uma das que optou por deixar os seus cabelos grisalhos. “Finalmente, disse a mim própria: porquê preocupar-me? Se eu soubesse que o confinamento iria ser tão libertador nesse aspeto, teria tomado essa decisão muito mais cedo”, comentou a jornalista na altura.

“O que a pandemia nos trouxe foi uma democratização das opções. As mulheres podem decidir de forma mais livre e sem se sentirem julgadas. O que sentimos é que os estereótipos estão cada vez mais diluídos e há cada vez mais pluralidade e diversidade. E isso permite-nos olhar para nós de outra forma.” Como consultora, aquilo que Guida Oliveira considera mais importante é que “cada pessoa saiba qual é a sua identidade visual e invista nela”. “Como é que nos sentimos melhores? Como é que me identifico? Essa é que é a questão. E, qualquer que seja a escolha, está tudo bem.”

“O cabelo é, desde sempre, um símbolo da feminilidade. E é um dos aspetos que as mulheres mais valorizam na sua imagem, seja pela cor, pelo tamanho, pelo penteado, seja como for, a maioria das mulheres pode não ter muitos cuidados com a sua imagem mas tem sempre alguma ideia sobre como quer o seu cabelo. E não é para menos: o cabelo é a moldura do nosso rosto, é uma das características mais relevantes para a nossa imagem, seja ela qual for”, diz. “A boa notícia é que há cada vez mais liberdade de escolha. Felizmente, hoje a mulher tem oportunidade de, se quiser, mostrar orgulhosamente os seus cabelos brancos.”

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