O caso de Anderson Torres mostra que não aprendemos nada com a Lava Jato

As reações ao documento golpista encontrado no armário do ex-ministro Anderson Torres mostram que não aprendemos nada com a Lava Jato. Não é fácil falar disso diante das características que nossa sociedade adquiriu, como a busca moralista pela pureza, a simplificação intelectual e a polarização tóxica.

Em vez de prestar atenção às nossas respostas às “descobertas” das autoridades policiais e judiciárias, as pessoas tendem a incorporar o clássico moralista dos jogos de Nelson Rodrigues e a gritar indignados que se trata de uma “falsa simetria”.

Quando as pessoas ouvem palavras como bolsonarismo, Lava Jato e Lula, a complexidade intelectual é reduzida ao nível de um anúncio de Dolly. Estou falando de nossas respostas às decisões judiciais, e os jihadistas nas redes sociais imaginam que estou falando da equação entre a Operação Lava Jato e a Operação Para Eliminar o Extremismo de Bolsonaro.

Quem faz essa confusão vive numa realidade paralela com a qual não tenho contato. Qualquer coisa que eu disser será reduzida a “falsa simetria” ou passar a ferro. Zumbis bolsominions e luloafetivos vão falar do mesmo texto, uma das maravilhas da nossa distopia.

A semelhança está em nossa resposta à mudança diante da confusão que a Lava Jato se tornou com nossa raiva punitiva e desejo de ver as evidências onde estão as evidências. Diante de um elemento que faz parte de um amplo e complexo corpo de evidências, vemos “batom na cueca”. Chegamos a isso misturando os fatos com nossas ideias e nossos preconceitos sobre o assunto.

A reação ao papel do golpe é muito semelhante à reação ao contrato triplex não assinado de Lula. Ambos os documentos são considerados a evidência mais importante do que as pessoas já decidiram acreditar. Na época da Lava Jato, o contrato não assinado, papel encontrado na casa do presidente Lula, era considerado prova definitiva de que ele era o dono do triplex. E foi mais longe, tornando-se “prova” de que a operação foi fruto de corrupção.

Tratar um papel de origem desconhecida e sem assinatura como prova definitiva não serve para nenhuma investigação. Mas é extremamente útil para ganhar discussões nas redes sociais. Eles também alimentam o ego do “Xeroque Holmes” da mídia social que gosta de se imaginar como repórteres investigativos ou até mesmo policiais. O papel do golpe de Estado de Anderson Torres não prova absolutamente nada até agora. Faz parte de um complexo corpo de provas que está sendo investigado por quem entende do assunto melhor do que todos nós, a Polícia Federal.

O que sabemos sobre esse papel? Absolutamente nada. Nós sabemos o que o Anderson Torres disse, e não estou colocando a mão no fogo pela honestidade dele ou de qualquer outra pessoa. Gosto muito de falar, mas meu coração é de documentos. Aprendi isso depois de quebrar a cara várias vezes. A atitude de Flávio Dino ao dizer que vai pedir a deportação caso o ex-ministro não venha aqui assumir o que deve é um sinal de que ele tem muito que esclarecer. Há também uma riqueza de evidências coletadas para serem confrontadas pelas autoridades, não a interface amável e ultrajante das mídias sociais onde ele diz o que quer e acredita em quem quer.

Anderson Torres disse no Twitter que conseguiu o papel. Pelo menos não há nenhuma trilha de papel ou registro dele recebendo ainda. Prefiro esperar pelos fatos para acreditar nesse desabafo conveniente. E se ele fez? E se ele e outros funcionários do governo estivessem envolvidos em vários golpes? Qual a relação disso com o movimento violento no Brasil e seus financiadores? Essas perguntas ainda não têm respostas.

O projeto de golpe foi ridicularizado na comunidade jurídica por sua falta de jeito. Se a explosão de um tanque de combustível de aviação causasse uma cena de terror no Brasil em dezembro, seria tão ridículo? Não será. Muitas pessoas assumiram esse papel porque é fácil de explicar e também uma solução deliciosamente simples para problemas complexos. Prefiro esperar que os federais intervenham. E cá entre nós, espero que o ex-ministro decida sobre um pedido cheio de documentos.

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