Movimento Nacional de Direitos Humanos pedirá derrubada de indulto a policiais condenados por massacre do Carandiru

Entidades reagiram a decreto publicado por Jair Bolsonaro, e apontaram inconstitucionalidade por causa de conteúdo direcionado

O decreto de Jair Bolsonaro, que concedeu indulto de Natal a agentes de forças de seguranças condenados por crimes há mais de trinta anos, gerou rápidas reações entre organizações sociais e entidades jurídicas, que questionam não só o movimento político por trás do ato, como a própria legalidade do indulto. O perdão servirá para os 69 réus condenados pelo massacre de Carandiru, que deixou 111 mortos em 1992. O Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) irá encaminhar, na próxima segunda (26), uma representação ao Ministério Público Federal (MPF) contra o decreto. Assim, o assunto pode parar no STF.

Segundo Carlos Nicodemos, advogado do MNDH, o indulto violou princípios da administração pública, como o da impessoalidade, além de ter configurado abuso de discricionariedade (liberdade da administração pública), por causa do conteúdo do decreto e do momento de sua publicação, nos últimos dias do governo. O especialista explicou que os critérios do indulto foram muito específicos, o que claramente privilegia o grupo de condenados no Massacre do Carandiru, e desrespeita as regras do uso desse instrumento.

— Quando se privilegia uma determinada pessoa, sem estabelecer critérios gerais de concessão de indulto, nós temos aí um vício de finalidade do decreto. Além disso, se criou uma confusão jurídica, porque na prática está funcionando como uma graça — explicou Nicodemos.

A graça é o outro tipo de “perdão” a condenações que um presidente pode utilizar. Jair Bolsonaro já havia lançado mão desse artifício, por exemplo, no caso da prisão do ex-deputado Daniel Silveira (PTB), seu aliado político. Nesses casos, a graça é publicada de forma específica e individualizada, enquanto indultos deveriam atender a grupos genéricos, a partir dos critérios estabelecidos. Quando o critério é demasiadamente específico, e favorece apenas um caso, há o desvio de finalidade, alega o MNDH.

— É a reafirmação do compromisso do governo que está saindo em privilegiar ações, fatos e histórias que violam os direitos humanos — disse Nicodemos, que ainda destacou como o momento do decreto acaba sendo um abuso da discricionariedade. — O Poder Executivo goza de discricionaridade, mas não é um poder ilimitado. Faltando 10 dias para acabar a gestão, durante um momento de transição, baixar um ato como esse, é abuso da discricionariedade.

Como o questionamento será feito contra um decreto presidencial, o advogado explicou que cabe ao MPF tomar as medidas, que podem começar por uma recomendação até virarem ações de inconstitucionalidade, que precisariam ser julgadas no STF. No momento, a defesa dos condenados pode requerer a extinção das penas junto ao Tribunal de Justiça de São Paulo, onde eles foram julgados. Outra organização de defesa dos direitos humanos, o Human Rights Watch (HRW) também criticou o decreto.

— No apagar das luzes, Bolsonaro faz uso do tradicional indulto de Natal para perdoar policiais condenados “por fato praticado há mais de 30 anos”, em clara referência aos policiais militares envolvidos no massacre do Carandiru, que em 1992 resultou no trágico assassinato de 111 presos. Trata-se de um sórdido recado de que os mais absurdos excessos e abusos policiais podem ser cometidos com absoluta impunidade — afirmou Maria Laura Canineu, diretora da HRW no Brasil. Procurado, o Ministério Público não respondeu.

Defesa de condenados descarta direcionamento

Procurada, a defesa dos 69 réus condenados pelo massacre de Carandiru (originalmente eram 74, mas cinco faleceram ao longo do processo) disse que não vê “direcionamento” no decreto do indulto. O advogado Eliezer Pereira Martins, que representa o grupo, afirmou que já entrou com o pedido de trancamento da ação penal, junto ao TJSP, mas acredita que só haverá uma decisão no dia 31 de janeiro, quando está agendada a sessão de julgamento das apelações desse caso.

– Não vejo esse direcionamento (no conteúdo do decreto). Nem sabemos se há outros agentes de segurança pelo país que invocarão esse benefício. Nunca falei com o presidente da república e nem com ninguém da assessoria. O presidente só exerceu sua competência de conceder essa decisão de perdão a todos os agentes que se enquadrem nessas condições, e ela me parece muito justa – disse Martins.

O advogado acrescentou que a decisão garante o princípio constitucional de “razoável duração do processo penal”, pois acusa que, 30 anos após os fatos, os réus ainda não foram condenados na 2º instância. No entanto, em agosto, o ministro Luis Barroso rejeitou um recurso da defesa, e o STF declarou que as condenações já transitaram em julgado. Assim, restaria ao TJSP apenas decidir o tamanho das penas.

– Evidente que os réus ficaram felizes, em termos, com o indulto. Mas isso não apaga o dano que a condenação já causou. Eles eram soldados, sargentos, tenentes, que só cumpriram ordens. Entraram no Carandiru, inundado de fumaça e sangue, com armas de fogo e determinação para que efetuassem disparo em defesa da própria vida. Nesse tempo todo, o estado não eficiente em apurar quem cometeu excesso – afirmou Martins, que disse haver caso de réu condenado mesmo tendo efetuado um único tiro.

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