Porque Einstein recebeu Nobel 'atrasado' e nunca foi premiado ?

O físico foi indicado nada menos do que 62 vezes ao prêmio. Em 1922, 12 anos após a primeira indicação, ele conquistou um Nobel pela descoberta sobre efeito fotoelétrico.

Entre 1910 e 1922, o físico Albert Einstein foi indicado pelo menos 62 vezes ao Prêmio Nobel de Física por sua teoria da relatividade, proposta por ele em 1905 e ampliada em 1915. A teoria revolucionou a forma como entendemos o universo e, mais tarde, deu surgimento de tecnologias, como o GPS.

Desse total, 44 foram produzidos desde 1919, ano em que a teoria foi confirmada pela primeira vez pela observação de um eclipse solar em Sobral, no Ceará. Apesar disso, ela nunca recebeu a homenagem criada por Alfred Nobel.

Einstein só receberia o Prêmio Nobel em 1922, mas não pela teoria da relatividade, mas por uma descoberta menos revolucionária, mas de grandes consequências científicas e tecnológicas: o efeito fotoelétrico. Porém, a premiação ocorreu de forma inusitada, pois no mesmo ano outro grande físico, Niels Bohr, também foi agraciado com o Prêmio Nobel de Física.

Não é que os dois dividiram o prêmio, cada um levou o seu. Além disso, o prêmio foi anunciado em 10 de novembro daquele ano, mas a premiação se refere ao ano anterior, ou seja, 1921. Mas como? – alguém pode se perguntar. A explicação é aparentemente simples, mas as razões para a avaliação incomum permanecem um pouco obscuras até hoje, pois incluem questões científicas, políticas e ideológicas, além da regulamentação de preços.

Primeiro, em 1921, o comitê do Nobel responsável por selecionar os vencedores decidiu que não havia físico que pudesse estar à altura da honraria, embora Einstein tenha recebido 15 indicações naquele ano, incluindo algumas de cientistas já premiados. . Apesar disso, foi novamente omitido e, conforme estipulado no regulamento do Nobel, o prêmio foi “arrecadado” para o ano seguinte. Finalmente, depois de ser premiado todos os anos de 1910 a 1922, com exceção de 1911 e 1915, Einstein recebeu seu merecido Prêmio Nobel. Mas para muitos havia algo de especial nisso.

Para entender, você tem que voltar um pouco na história. O fenômeno fotoelétrico foi descoberto em 1886 pelo físico alemão Heinrich Hertz (1857-1894). “Ele consiste na emissão de elétrons do metal como resultado da absorção de energia da radiação eletromagnética, ou seja, da luz”, explica o físico Peter Schulz, da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Segundo ele, descrever o sucesso de Hertz dessa forma é até curioso, pois a partícula elementar da eletricidade, o elétron, só foi descoberta dez anos depois pelo físico inglês Joseph John Thomson (1856-1940).

“A física da época não conseguia descrever o fenômeno fotoelétrico”, diz Schulz. “Não se entendeu por que isso só acontecia em frequências de luz acima de um certo limite, que dependia do metal em questão. Não foi observado nessas frequências mais baixas. Ninguém entendeu o que estava acontecendo.” E foi aí que Einstein entrou. Seu trabalho de 1905 explica esse efeito – foi um ano muito produtivo para ele.

“Ele descobriu que a luz não é absorvida continuamente, mas em ‘pacotes’ com uma energia específica”, explica Schulz. “Cada elétron absorve a energia necessária para fazer saltar do metal um ‘pacote’, que é um ‘quântico’ de luz, chamado fóton. Pacotes com menos energia do que o necessário, portanto, não são absorvidos em sequência.”

A descoberta foi muito importante, diz Schulz, porque até mesmo o proponente da ideia, Max Planck (1858-1947), que descobriu a chamada quantização da energia em 1901, via a ideia do quantum, ou seja, a base da física quântica, com suspeita. “Em 1905, Einstein forneceu uma explicação para outro efeito baseado no mesmo conceito de Planck”, diz Schulz. “Com isso veio a física quântica, e a explicação do fenômeno fotoelétrico reúne um aspecto fundamental dessa nova fronteira: a dualidade onda-partícula, a luz se propaga como onda e é absorvida como partícula.”

Esta descoberta de Einstein foi digna de um Prêmio Nobel em si. O problema é que a teoria da relatividade foi muito mais revolucionária. Além disso, há mais uma peculiaridade. Sua explicação do efeito fotoelétrico foi publicada em 1905, 16 anos antes de o comitê do Nobel decidir que não havia cientistas dignos do prêmio. Um ano depois, porém, sem novidades, o físico alemão foi premiado. Para entender isso, é necessário contextualizar os fatos. Em 1920, Einstein recebeu oito indicações para o Prêmio Nobel por sua teoria da relatividade. A comissão do prêmio pediu então a um de seus membros, o oftalmologista Allvar Gullstrand (1862-1930), Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia de 1911, que elaborasse um parecer sobre a relatividade.

No entanto, o resultado não foi o esperado. “Com argumentos frágeis de antirrelativistas extremos, Gullstrand fez duras críticas à teoria da relatividade”, diz o físico Ildeu de Castro Moreira, do Instituto de Física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). “Ele também citou autores e literatura preconceituosos e racistas contra Einstein.” Além disso, o árbitro afirmou que “as medições que demonstraram a relatividade estavam abaixo dos limites do erro experimental”.

A visão de Gullstrand na verdade refletia as dúvidas que muitos cientistas da época tinham sobre a validade da teoria da relatividade. “Apesar de já existirem algumas evidências em 1921, como o cálculo do periélio de Mercúrio e a observação do desvio da luz solar durante o eclipse de 1919, ainda era considerado muito especulativo e distante da realidade”, explica a física Cecília Chirenti da Universidade Federal. do ABC (UFABC) e Pesquisador Associado do Goddard Space Flight Center da NASA.

“Para se ter uma ideia, a existência de ondas gravitacionais, que é uma das previsões da teoria, não foi observada até quase 100 anos depois, em 2016, com sua detecção direta”. Embora a teoria da relatividade já tivesse sido comprovada por alguns experimentos realizados entre 1921 e 1922, os membros do comitê do Nobel não os levaram em consideração. “É possível que naquele momento tenham decidido que ainda não havia experimentos verificáveis em laboratório para confirmar a teoria”, acredita o físico Antonio Gomes Souza Filho, da Universidade Federal do Ceará (UFC). “No caso do efeito fotoelétrico, esses resultados foram claros.”

Segundo ele, também é fato que naquela época o desenvolvimento tecnológico ainda não permitia o acesso a tudo o que a teoria da relatividade trazia à tona. “Só nas últimas décadas, com a construção do relógio atômico e do sistema GPS, entre outras tecnologias, ficou claro que a teoria era robusta e contribuía para aplicações tecnológicas”, diz Souza Filho. “A teoria da relatividade era muito complexa e talvez nem isso tenha ajudado a reconhecê-la.”

Para a física Sylvia Canuta, do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo), tudo indica que o Comitê do Nobel relutou muito em conceder o prêmio a Einstein antes de confirmar sua teoria em bases muito sólidas. “Seria desastroso dar um prêmio e depois não reconhecer totalmente o seu sucesso”, explica. “Por outro lado, ficou constrangedor que Einstein não tenha ganhado o prêmio. Então o prêmio do efeito fotoelétrico foi dado em 1922. É importante dizer que esse efeito é de enorme magnitude e justifica o prêmio em si.” .”

As suspeitas sobre por que o comitê do Nobel demorou a conceder a Einstein o prêmio pela descoberta relacionada ao efeito fotoelétrico e nunca pela relatividade vão além das questões científicas e incluem, entre outras coisas, o fato de ele ser judeu. “A resposta é mais política do que científica”, diz o físico George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Unesco (Universidade Estadual Paulista). “Embora os judeus alemães tenham lutado pela Alemanha na Primeira Guerra Mundial, já havia um forte anti-semitismo alemão.”

Como exemplos, ele cita Philipp von Lenard (1862-1947), ganhador do Prêmio Nobel em 1905 e ligado ao movimento nazista, assim como Johannes Stark (1862-1947), ganhador do Prêmio Nobel de 1919. “Einstein foi particularmente vilipendiado porque era um pacifista confesso, o que não era considerado patriota”, explica Matsas. “Portanto, houve um forte lobby contra ele em vários lugares. Apesar disso, aumentou a pressão sobre o Comitê Nobel para conceder o prêmio a Einstein.

“Foi aí que uma figura chave entrou em cena: Carl Oseen (1879-1944), este, sim, físico que passou a ajudar o repórter, agora com competência”, diz Moreira. “Ele adotou a estratégia de propor que Einstein recebesse a ‘lei do efeito fotoelétrico’ em vez da relatividade. Ele também seguiu a estratégia de propor Bohr (um comitê pessoalmente mais palatável do que Einstein) para o Prêmio Nobel em 1922 com a contribuição associada de um físico alemão para o efeito fotoelétrico.”

Além disso, Oseen não mencionou o conceito de fóton, que foi a contribuição mais revolucionária de Einstein no artigo de 1905, porque muitos físicos, incluindo Bohr e Planck, ainda não aceitavam o conceito. “Depois de várias discussões, sua proposta foi aceita, mas com a condição de que a relatividade não fosse mencionada”, diz Moreira. E, de fato, o texto da comissão Nobel atribui o prêmio a “uma contribuição à física teórica e, em particular, à descoberta da lei do efeito fotoelétrico”.

“Alguns interpretam que as contribuições à física teórica incluem a relatividade, e outros interpretam que não mencioná-la explicitamente abriria caminho para um segundo prêmio”, diz Souza. No entanto, o próprio texto parece descartar essa possibilidade ao estipular que o prêmio foi concedido “sem levar em conta o valor que será atribuído às suas teorias da relatividade e da gravitação depois de confirmadas no futuro”. Se Einstein teria ganhado o segundo prêmio, nunca saberemos. É certo que não foi à cerimónia de entrega do único.

O laureado sabia de antemão que receberia o Prêmio Nobel, mas alguns especulam, talvez de propósito, que ele não tenha ido até Estocolmo, na Suécia, onde teria recebido a homenagem em dezembro de 1922. O físico alemão estava em uma turnê de palestras pela Ásia e foi recebido com uma admiração raramente concedida até mesmo aos cientistas mais eminentes. No Japão, uma multidão o seguia aonde quer que ele fosse. “No Festival do Crisântemo”, escreveu um jornalista chinês, de acordo com 1922: Cenas de um ano turbulento, de Nick Rennison, “nem o imperador nem o príncipe regente eram o centro das atenções; as pessoas giravam em torno de Einstein.”

“O cientista tratou toda a lisonja com humor sarcástico”, diz o autor. “Da varanda de um hotel em Tóquio, olhando para a multidão que aplaudia lá embaixo, ele comentou com sua esposa: ‘Nenhuma pessoa viva merece tal recepção. Receio que sejamos patifes. Ainda assim vamos acabar na prisão. ‘ Acabou na história, como você sabe.

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