Carta a um herói brasileiro

Homenagem a um brasileiro que deu a vida por amor ao seu país

Cleriston,

Em nome dos milhões brasileiros de boa vontade, venho aqui manifestar a minha admiração e o meu agradecimento por sua vida. O herói pelo qual tanto esperávamos não estava nos partidos políticos, não estava nos círculos intelectuais, não estava nas redes sociais: ele estava numa ala do presídio da Papuda. Você sacrificou a sua vida pelo Brasil, e isso jamais será esquecido – pelo menos enquanto existirem brasileiros capazes de dizer e amar a verdade.

Herói é aquele que dá a vida pelo bem dos outros. Também é aquele cujas obras se perpetuam para além da própria morte. O heroísmo está no coração: o centro da consciência do homem. E coração você tinha de sobra. Talvez por isso ele, mesmo ferido e doente, tenha conseguido resistir a tantos golpes. Não há nada mais forte que a personalidade humana, dizia um grande professor que eu tive. Imagine-se a força de um coração capaz de mudar a história de um país. Esse é o seu coração, meu amigo.

Hoje somos governados por psicopatas, por um bando de homens sem coração. Depois da sua morte – do seu martírio –, até mesmo eles perceberam que havia algo de muito errado no país. Quando aquele ministro prometeu que iria “apurar todas as responsabilidades” sobre a sua morte, eu pensei no personagem Édipo, o rei que jurou investigar um crime e descobriu que o criminoso era ele. Quando Édipo descobriu que ele próprio era o homem que procurava, furou os olhos como penitência. Não espero que esses nossos juízes furem os próprios olhos, mas acredito que milhões de pessoas poderão abrir os olhos depois do que aconteceu com você.

Você é um herói porque a sua tragédia reflete as dores e as angústias de todo um povo. A data de 20 de novembro de 2023 ficará marcada para sempre em nossa história como o dia em que um homem aprisionado por tiranos entregou a própria vida por amor à sua pátria. Amanhã nós contaremos essa história aos nossos netos.

Caim e Abel, os primeiros homens nascidos do ventre de uma mulher, entregaram seus sacrifícios a Deus. Caim, que lidava com a terra, entregou frutos do campo. Abel, que era pastor, entregou um animal. Deus se agradou mais do sacrifício de Abel porque, simbolicamente, o sacrifício de sangue equivale à entrega da própria vida. É por isso que Caim se enche de inveja e mata o irmão. É também por isso que, depois do seu crime, Caim funda a primeira cidade, isto é, a primeira sociedade política. Isso significa que a política – o poder mundano – tem como base a inveja, a traição e o assassinato. Só o sacrifício da própria vida pode vencer a política – e os donos do poder sabem disso. Eles sabem a dimensão da força despertada nos corações dos brasileiros por seu martírio, meu amigo.

Você, que apoiava e consolava seus companheiros de infortúnio, agora terá gritado o seu nome nas ruas do Brasil. O seu sangue será a semente de um novo país e o começo da morte desta ditadura perversa que nos foi imposta.

Fique com Deus, conte com nossas orações e a nossa luta.

Paulo Briguet é escritor e editor-chefe do BSM.

“Diz qui haverá de voltá
cuano essa terra pecadora,
marguiada im transgressão,
tivesse chêa de violença,
de rapina, de mintira e de ladrão.”

(Elomar Figueira de Melo)

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