Ricardo de Moura Pereira
Um grupo de eleitores do presidente Jair Bolsonaro (PL) adotou táticas semelhantes às usadas pelo regime nazista para perseguir os comerciantes de transporte público em uma pequena cidade do Rio Grande do Sul com uma população de apenas 9.000 habitantes.
Em Casca (RS), bolsonaristas estão divulgando mensagens nas redes sociais e grupos de WhatsApp, pedindo aos comerciantes locais que coloquem adesivos com a estrela vermelha do PT na frente de seus estabelecimentos. A prática é semelhante ao nazismo alemão, que na década de 1930 obrigou os comerciantes judeus a colocar a Estrela de Davi em suas lojas. Uma lista que circulava nas redes sociais pedia um boicote a 20 empresas identificadas como pertencentes ao PT. No segundo turno, 72,3% dos eleitores de Casco (4.557) votaram em Bolsonaro, contra 27,7% (1.748) em Lula.
O que diz o Ministério Público? O Ministério Público diz em nota que recebeu informações de listas de boicote, situação que ocorreu em várias cidades do país. “Os nomes de empresários e pessoas que votariam em Lulu estariam circulando nas redes sociais”, diz ele em um dos trechos do texto. O texto não menciona o requisito de inclusão de uma estrela vermelha.
Por que o episódio se assemelha à tática nazista?
Durante o regime nazista na Alemanha no início da década de 1930, foram elaboradas listas que boicotavam negócios de propriedade de judeus. Os nazistas imprimiram as vitrines dessas lojas e espalharam avisos pelas cidades pedindo à população que não comprasse produtos desses comércios. “O boicote às empresas e a ideia de rotular quem votou no PT é uma reprodução da linguagem nazista típica do bolsonarismo”, diz Michel Gherman, que coordena o Centro de Estudos Judaicos do Departamento de Sociologia da UFRJ (Universidade do Rio de Janeiro).
Embora não veja a relação entre nazismo e bolsonarismo como algo novo, Gherman entende que os episódios estão se intensificando. “O bolsonarismo é alfabetizado politicamente pelo nazismo. Mas os episódios estão cada vez mais explícitos. Assim como os nazistas isolaram os judeus, agora os bolsonaristas querem isolar o PT.”
Como bolsonaristas espalharam a mensagem?
As mensagens atribuídas aos bolsonaristas da cidade de Casca foram dirigidas aos próprios eleitores petistas com uma ameaça em tom irônico: “Cuidado PT, coloque esse adesivo na porta do seu negócio [mensagem acima da imagem do símbolo do PT]. quem ele escolheu.”
Comércio fechado e depredação
Mais de 120 empresas fecharam as portas ontem após ameaças enviadas via WhatsApp. Na noite de 30 de outubro, a advogada Janáíra Ramos (54) condenou ao Ministério da Administração Pública casos de assédio eleitoral, que incluem agressões a petistas após o resultado das eleições.
O escritório do defensor se iluminou hoje com um interfone quebrado. Às 20h53 de ontem, imagens de CCTV capturaram um homem danificando o portão do estabelecimento. No vídeo, um indivíduo que parece estar usando um soco inglês, uma arma corpo a corpo de ferro com buracos para os dedos, dispara quatro tiros no interfone e sai de cena.
Ele está recolhendo as imagens na mídia e vai registrar o caso na Polícia Civil nesta tarde por danos criminais.
“O bolsonarismo virou uma seita aqui. Em entrevista ao UOL Notícias, ele vê o episódio como uma retaliação às denúncias sobre os ataques de Bolsonaro após o segundo turno da eleição presidencial, em 30 de outubro.
“As pessoas perderam a racionalidade e as coisas estão ficando fora de controle aqui. Estamos tomando as medidas necessárias para deter a agressão.”
Ele atribui esses atos de violência ao que vê como uma “minoria extremista” que não aceita os resultados das pesquisas. “O bolsonarismo virou uma seita aqui. É um grupo minoritário que, ao incitar o ódio criminoso, ameaça a própria convivência das pessoas em uma cidade pacífica”, diz.
Primeiro [os bolsonaristas] fazem listas para ir atrás de pessoas e empresários. Eles então organizam uma greve comercial. Agora eles estão começando a saquear propriedades. Os recados são para intimidar as pessoas? Os líderes desses movimentos devem ser identificados e responsabilizados”.
Outros ataques denunciados em Casca.
Um petista que comemorava a vitória de Lula nas urnas teve o carro depredado por bolsonaristas. De acordo com a denúncia, uma mulher parou em frente ao veículo, identificado com bandeiras do PT, e começou a chamá-lo de “bandido e ladrão.” Em seguida, outros apoiadores de Bolsonaro atiraram garrafas na direção do veículo, que ficou danificado. O ataque só foi interrompido porque havia policiais militares nas imediações.
Em outro episódio, uma mulher sofreu ferimentos ao ter uma bandeira do PT arrancada da sua mão. Em seguida, relatou, os agressores atearam fogo no material. “Nenhum petista pôde comemorar a vitória de Lula em Casca”, relatou a advogada Janaíra Ramos.